Paris, primeiro de Novembro de 1957
História de um turista de 24 anos, que chegou aqui há 2 meses com 20.000 francos de capital e sem a mínima noção do estado das coisas e do que seria a sua vida futura. Tudo começa por um contacto supérfluo em que só sentiu indiferença e insensibilidade pela vida vertiginosa do ambiente. Compondo o orçamento e os repostos, a vida ficou-lhe cheia de nada. Que dizer a quem pergunta?
Estudante, veio para travar contacto com o nosso tipo de ensino, modernizado e encontra-se deslocado no seu trabalho e quanto aos contactos são mentiras, só aldrabices. Agora vou desmascará-lo e reduzi-lo à sua insignificância. É um zero completo, um nada, sem valor. Empregado a mangas-de-alpaca. Vive de expedientes entre sérios trabalhadores e não tem sequer uma ideia do que deve fazer. Não vale nada. Empurrado por uns, apagado por outros, não é capaz de iniciativa alguma nem de criar um norte que lhe dê algum valor à sua existência e o instigue à utilidade social. Parasita. Sei que pensa solucionar o seu problema, de que felizmente se apercebe, pelo suicídio, mas, oh lástima, não tem coragem para isso. Seria a sua grande saída. Agora o que fazer dele? Para escova sente e serve, mas nem para isso ninguém o quer. Partir, para onde? Todos os sítios são iguais e a sua situação não modifica com o câmbio de lugar. Medo de ser apontado é o que ele sente. Só eu o sei, é o seu mal, porque se todos o apontarem como esterco, ele solucionar-se-ia, bem ou mal.
Felicidade é paralisia estúpida do ser.
Aqui jaz – Paz à sua alma, como de costume e vala comum com ele. Boas Festas e Bom Ano Novo
Pão na máquina
Coxo de bicicleta
Pinheiro
Os que são feitos esquecem
Os que os fazem
Ser
Quatro cigarros
Cordões de sapatos
Preso
Eu não quero assim e não posso fugir pois vou e não me mexo, quero e não ajo, falo e não digo. Tudo morto. Tudo só. Pobre de mim que não sei ser. Também o que lucraria em ser? Olha, aquele é. – E o outro é – e depois passa e não há mais lugar para ele. Mas para quê um lugar? Só isto e mais nada. Tudo em vão, uns olham os outros e todos pensam o mesmo mas todos falam e têm o que dizer porque não se entendem e estão cheios de si mesmos. Mas eu estou vazio de mim e cada vez mais vazio e não vejo nada que me possa fazer melhor, pois nada valho que sirva para isso. Então todos me olham com compaixão e pensam que eu tenho muita vontade e sorriem para mim com ar protector e esperam ver-me ar de pupilo, olhos interiores e aguardando as palavras que lhe saírem. Isto é horrível e eu estou vazio, só vazio sem nada. Ser nada. É engraçado. Afinal eu sou nada. Já sou alguma coisa porque nada também é alguma coisa. Sou nada, nada valho e no entanto, sou nada. É esquisito.
AS NOVAS TECNOLOGIAS NA ARTE
De Henrique Silva Considerar as artes digitais como uma forma de expressão plástica, só por si, merece reflexão tanto mais que o computador é um instrumento de trabalho ao mesmo título que a rebarbadora o é para a escultura, a tinta em tubo pré-fabricada o é para a pintura. O problema reside no que é possível fazer com esses instrumentos para a execução da obra de arte, e as novas capacidades que são abertas ao criador face ás novas ferramentas. É frequente confundir-se virtuosismo tecnológico com obra de arte, sobretudo numa época em que a novidade dos instrumentos nos maravilha com os resultados obtidos. É certo que, na área digital, há especialidades que beneficiam com esse virtuosismo, como seja a publicidade na web ou no cinema, as indústrias de divertimento como jogos e simulações virtuais, etc. No entanto não podemos esquecer que ao mesmo título que a música e a escrita, as artes plásticas são ciências onde a tecnologia é indissociável da criatividade, e por essa mesma razão as artes digitais são uma nova ciência que se tornou indissociável das novas formas criativas. Se no século XX a serigrafia, originária já do oriente do século XIII, foi recuperada pelos artistas como forma de expressão plástica, hoje, os meios digitais que foram criados como um instrumento de poder, são recuperados da mesma forma pelos artistas como meio de expressão criativo. A esse título, a introdução de especialidades digitais nas escolas de arte, permite fornecer conhecimentos tecnológicos capazes de, não só fornecer uma nova linguagem aos estudantes, como adapta-la à execução das obras tradicionais. A gravura digital é um dos exemplos, e ainda a capacidade de executar uma escultura em pedra sem ter de utilizar a rebarbadora ou o escopro, é outro. Tudo reside nos conteúdos, que para serem considerados uma obra de arte, se é que este termo ainda tem validade face ás adulterações a que está sujeito, tem de ter um conteúdo que resista ao tempo. Pelas razões apontadas, as escolas de arte tem um papel preponderante na formação de artistas digitais, e os conteúdos programáticos dos respectivos cursos devem permitir aos alunos, para alem da sua própria formação artística, darem a conhecer as múltiplas capacidades tecnológicas de forma a permitir a concepção plástica que lhe está adjacente. Não se pode conceber um conteúdo sem conhecer os meios, e, actualmente, grande parte dos artistas que trabalham nesta área, ou soletram as capacidades tecnológicas da arte digital, ou se ficam pelo virtuosismo dos seus efeitos. Por outro lado, é bem verdade que é difícil conhecer simultaneamente a capacidade de resposta dum programa específico, e conceber uma obra para esse programa. Daí a necessidade de especialização, e consequentemente do trabalho de equipa. Antever um resultado, mesmo que esse não seja o final, é o primeiro passo para o arranque do trabalho de concepção artística, e para antever esse resultado, nós os artistas, dominamos as ferramentas com que habitualmente trabalhamos, como seja a cor, a forma, os materiais orgânicos ou inorgânicos, porque estão adjacentes à experiência manual e à destreza que os anos vão dando. Consequentemente espera-se poder dominar as ferramentas virtuais da mesma forma, o que normalmente não acontece pela complexidade dos sistemas operativos, dos próprios programas, e pela dificuldade de adaptação tecnológica, sobretudo nas gerações mais avançadas. Pelas razões apontadas, preconizamos: 1 – Criação de base de dados específicos para as artes – o quê – par quê – como. 2 – áreas de formação abrangentes aos diplomados e não diplomados da carreira artística 3 – Centros de investigação e produção artística – equipamentos e técnicos disponíveis ao acompanhamento dos criadores diplomados ou não. 4 – Disponibilização on-line dos trabalhos realizados para estabelecer parcerias com outros centros O grande problema na optimização deste processo reside na dificuldade dos meios académicos se abrirem aos meios produtivos não académicos, estabelecendo uma dicotomia entre a dialéctica e a acção. Como ultrapassar essa dificuldade, que estou certo ninguém quer ? O acordo de Bolonha prevê a concessão de equivalências académicas ao saber adquirido ao longo da vida, em todas as áreas. Mas não diz como se vai classificar um marceneiro, um trolha ou um electricista com anos de carreira, face ao percurso universitário. E quem está preparado para atribuir essas equivalências? Em que especialidade académica serão esses saberes homologados ? Quem está disponível para estudar este assunto ? Se a própria equivalência entre cursos Universitários é já um problema maior pela diversidade de opções entre os vários países aderentes a esse acordo, e a dificuldade de estabelecer as concessões necessárias a tal processo. Esta linha de acesso entre as várias Universidades poderá ser um ponto de partida para um maior entendimento e o início de uma formação e-learning multifacetada. Maio 2005
DA EVOLUÇÃO DAS IMAGENS E CONCEITOS
Desde o transformação da cor de pigmento, com que trabalhavam os artistas até ao século XVIII, para o tubo industrial, que os choques técnicos tem promulgado conceitos diferenciados na leitura de obra de arte. No século passado a aparição e consequente apropriação por parte dos artistas dos meios analógicos e digitais como forma de expressão plástica, provocou primeiro uma recusa na aceitação desta forma de interpretação da linguagem plástica, considerando simplesmente uma linguagem cinematográfica e ainda uma arma de contestação sociocultural, como foi o caso dos vídeos anti-nucleares desenvolvidos por estudantes do Maio de 68 em Paris e de promoção, por parte desse mesmos estudantes e ainda em fase experimental, das energias solares. Já nos meados do século XX, a insatisfação constante dos criadores nas linguagens plásticas e a curiosidade sobre a oferta de potencialidades até aí desconhecidas, levou artistas em Portugal, como…….(ver catalogo da exposição nos USA)……….a enveredar por experimentações e conceitos até aí reservados à pintura de cavalete, à escultura, à gravura em metal. O exemplo de Andy Warhol com a sua “Factory” onde tanto o filme 16 mm. como o vídeo analógico serviram como filmes experimentais e de confronto com as linguagens até então em voga nos criadores, que desempenharam um papel na viragem do conceito da obra física para a obra virtual. A experimentação artística, nestes campos, propõe-nos um novo conceito do valor da obra, não tanto sob o plano material e económico, mas como um meio de investigação que permite ser manipulado em tempo real e divulgado de uma forma que não seria concebível alguma décadas atrás. Como definir o papel da imagem e do vídeo experimental em toda a sua capacidade tecnológica desde os vários formatos, sons, sistemas e meios de divulgação ? Caracterizar cada um pressupõe uma preparação na área da engenharia electrónica que, sendo demasiado sofisticada para o comum dos artistas, levaria ao excesso de efeitos tecnológicos em detrimento do seu conteúdo, o que tem acontecido sobretudo nos meios académicos de cursos que, não tendo uma base de formação artística, promovem os chamados “artes multimédia” onde a informação é independente do seu conteúdo (ver Universidade do Minho-Faculdade de Engenharia). Será que vamos promover de novo o chamado “cinema verité” onde as normas cinematográficas foram postas em causa para permitir uma abordagem sensorial do operador de câmara identificado com a sua própria personalidade, como acontece com o artista tradicional refugiado no seu próprio “eu” ? Não creio até porque cada vez mais se verifica a necessidade de trabalho de grupo pela especificidade da tecnologia atrás mencionada, onde, como no cinema, alem do realizador há o operador de câmara, o sonoplasta, o produtor, etc. Então o dilema que se põe é da capacidade de trabalho de grupo em detrimento da individualidade. Saber pensar em conjunto é talvez o desafio adjacente às artes digitais que os produtores de artes digitais tem de enfrentar de futuro, para poderem fazer face ao experimentalismo disponível nas novas tecnologias.
Julho 2007
Textos de Henrique Silva